memórias do futuro

Fellipe dos Anjos
3 min readDec 31, 2021

a quantidade de coisas que nos aconteceram nos últimos dois anos nos deixaram marcas, estigmas. fenômenos que armazenaram restos em nós, passados que sobreviveram. no corpo. passados que passaram no corpo e até agora passam. estacionaram em movimento. memórias.

o número de imagens traumáticas que ficaram gravadas, talvez seja bem maior do que o número de imagens de esperança.

sim, é verdade: foram dois anos recebendo informações de destruição, devastação, morte, imagens de guerra.

entretanto, se nosso corpo não tivesse a incrível capacidade de metabolizar imagens de esperança, dificilmente teríamos saído destas catástrofes para experimentar com razoável consciência o tempo de agora. ou seja, se o seu corpo não tivesse desenvolvido uma ação de montagem sobre as milhares de imagens que ele recebeu ao longo deste últimos anos, você não estaria vivo.

quero chamar essa ação criativa de RESISTÊNCIA.

seu corpo foi resistente.

trabalhou,
acelerou,
brecou,
adoeceu,
parou,
selecionou,
metabolizou,
transformou,
excluiu,
apagou,
recortou,
recusou,
desmontou,
montou,
compôs,
resolveu milhares de equações dolorosas
e outras prazerosas simplesmente para que você estivesse vivo.

e, tudo isso, de forma gratuita, generosa, abundante e orgânica.

a vida não te cobrou um centavo sequer para que você experimentasse essa gratuidade generativa, essa vitalidade, essa dádiva.

entre todas estas memórias, há aquelas que sustentam a vida porque pulsam com mais força e por mais tempo: memórias dos acontecimentos redentores, aqueles inesquecíveis, que nos acompanham ao longo do tempo como se tivessem acontecidos há poucos segundos.

a duração destas memórias se prolonga para a eternidade. são memórias espirituais, por assim dizer.

é raríssimo que memórias espirituais não digam respeito ao encontro com outras pessoas. pode até acontecer de você ter sido a única testemunha de uma estonteante aurora boreal, porém, mais comum mesmo é que suas memórias espirituais tenham relação com eventos mais cotidianos, mais despretensiosos, corriqueiros, com pessoas reais que agiram de uma maneira singular e, desta forma, simples e profunda, foram habitar nas profundezas da sua alma para sempre.

é isso que eu quero compartilhar contigo hoje: nos últimos anos, em meio a todas as catástrofes pelas quais passamos, algumas pessoas vieram morar na nossa alma para sempre. elas fazem parte [hoje] da nossa memória espiritual. nossa existência depende da existência (concreta ou não) delas.

quero terminar esses dois últimos anos reconhecendo
e agradecendo a essas pessoas.

sem elas eu não estaria vivo hoje.

algumas vão ler este post. outras, não terão esta oportunidade, ou porque não acessam o instagram, ou porque, infelizmente, perderam suas vidas antes desta data.

mas, todas estão vivas em mim. existem nos meus sonhos e memórias. todas receberão dentro de mim um tributo de gratidão. dentro de mim vai acontecer um ritual, um culto, uma celebração na qual todas as minhas memórias se prostrarão diante desses rostos e louvarão com gratidão.

você está vivo também. seu corpo está em festa também. suas memórias estão celebrando. minha oração é que você se conscientize disso a tempo de desviar seu coração do gosto amargo de uma vida sem gratidão, portanto sem graça e sem prazer. se você deixar o seu corpo falar com a sua consciência o quanto ele está feliz por estar vivo, tenho certeza que você vai sair deste cinza e deste amargo, que não passa de um efeito depressivo de um narcisismo de morte montado por uma cultura de mercado, mesmo que religiosa.

se os seus olhos estão lendo esta mensagem é porque a gratuidade da vida e das memórias lhe deram mais uma chance de gozar o prazer que é estar vivo.

vivo de graça.
vivo da graça.

desejo coragem e memórias para você em 2022.

feliz vida.

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